terça-feira, 5 de maio de 2009

UM PREFEITO É CASSADO A CADA 16 HORAS


Um prefeito é cassado a cada 16 horas no país
Autor(es): Ricardo Mendonça
Época - 04/05/2009


Um levantamento inédito mostra que a lei da compra de votos está produzindo um recorde de cassações


RECORDE Miguel Haddad (PSDB) recebe o diploma de prefeito no Fórum de Jundiaí, em dezembro. Ele teve seis sentenças de cassação e venceu cinco recursos no TRE de São Paulo
Dez anos após sua criação, a lei que determina a cassação do mandato de quem compra voto virou o terror da classe política nacional. Um levantamento inédito feito em março em 2.503 zonas eleitorais do país (84% do total) mostra que pelo menos 119 prefeitos eleitos no fim do ano passado já foram cassados com base nessa norma. O ritmo é de uma condenação a cada 16 horas, tomando-se como base a data da posse, 1o de janeiro. É um recorde sob qualquer aspecto. Esse total é superior à soma de todos os prefeitos que perderam o cargo por compra de votos entre 2001 e 2008, período equivalente a dois mandatos completos de prefeito (leia o quadro no fim da página).

De acordo com a lei, o prefeito cassado deve ser substituído pelo candidato que ficou em segundo lugar na eleição quando o vencedor não obteve mais de 50% dos votos no primeiro turno. É o que aconteceu recentemente com Jackson Lago (PDT), substituído pela ex-senadora Roseana Sarney (PMDB) no governo do Maranhão. No caso de Lago, porém, a condenação foi por abuso do poder político. Nas situações em que o prefeito cassado foi eleito no primeiro turno, a lei manda que a Justiça convoque novas eleições. Isso já ocorreu em 14 municípios neste ano. A maioria dos 119 prefeitos recém-cassados por compra de votos, porém, não está nem em uma situação nem em outra. A maior parte obteve liminar para continuar no cargo enquanto aguarda sentença de tribunais superiores.

A pesquisa Prefeitos e Vereadores Cassados por Corrupção Eleitoral foi feita entre os dias 10 e 20 de março, por meio de um formulário eletrônico preenchido pelos cartórios eleitorais. A iniciativa partiu do ministro Félix Fischer, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele atendeu a uma solicitação do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), uma organização que faz campanha por regras mais severas nas disputas políticas.

O fenômeno do aumento das cassações por compra de votos também foi observado entre os vereadores. Houve 31 cassações de vereadores a mais que o total registrado entre 2001 e 2008. Desde janeiro, 119 vereadores foram cassados (a coincidência de número com o total de prefeitos cassados no mesmo período é apenas numérica – não há necessariamente relação entre os prefeitos e os vereadores cassados).

De acordo com os pesquisadores, o ritmo de cassação de prefeitos e vereadores deverá aumentar nos próximos meses. Muitas denúncias feitas pelo Ministério Público ou por candidatos derrotados ainda esperam sentenças de juízes de primeira instância. Um levantamento feito em dezembro pelo TSE sobre a eleição de 2008 mostrou que mais de 4 mil processos de cassação de prefeitos e vereadores foram protocolados na Justiça em 21 Estados (cinco deles não forneceram dados). Desse total, mais de 3 mil processos mencionavam compra de votos.

A maioria dos prefeitos cassados por compra de voto é de cidades pequenas ou médias. Na lista, há apenas um de capital: Roberto Góes (PDT), de Macapá, no Amapá. Amparado por uma liminar, Góes continua no cargo. Um dos casos que mais chamam a atenção é o de Jundiaí, no interior de São Paulo. Lá, o prefeito, Miguel Haddad (PSDB), recebeu seis sentenças de cassação na primeira instância, possivelmente um recorde nacional. Nem todas eram por compra de votos. Haddad chegou a ser afastado do cargo por 19 horas em janeiro, mas, por meio de liminar, voltou. Das seis condenações, cinco foram reformadas pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e uma aguarda julgamento. O principal adversário de Haddad, Pedro Bigardi (PCdoB), já disse que vai levar o caso ao TSE, em Brasília. Se Haddad terminar cassado, Jundiaí terá novas eleições.

Os candidatos passaram a apostar muito mais nas disputas jurídicas. As eleições estão totalmente judicializadas MÁRLON REIS, juiz
Criada em 1999 após uma campanha popular que coletou mais de 1 milhão de assinaturas em todo o país, a lei da compra de votos virou o principal instrumento de cassação de mandatos porque possui critérios muito mais severos que as outras normas eleitorais. Para que um político seja cassado por corrupção eleitoral, basta que se prove a compra ou a tentativa de compra de um voto apenas. Ao contrário das outras leis, como abuso do poder político ou econômico, não é necessário provar que a ilegalidade foi decisiva no resultado final da eleição.
Se a lei da compra de votos é a mesma há dez anos, por que o total de cassações cresceu tanto desde a última eleição? As pessoas que se debruçaram sobre o assunto listam três grandes razões para isso. A primeira é o “aumento visível da litigiosidade”, diz o juiz Márlon Reis, um dos coordenadores da pesquisa e estudioso dos assuntos eleitorais. “Os candidatos começaram a perceber que essa lei funciona e passaram a apostar muito mais nas disputas jurídicas. As eleições estão totalmente judicializadas.”

O segundo motivo é o avanço do entendimento dos próprios juízes. “No início, muitas denúncias foram desprezadas pela Justiça, pois ainda não havia a compreensão de que basta a compra de um voto para determinar a cassação. Hoje, a jurisprudência é muito mais segura”, diz Francisco Whitaker, coordenador do MCCE e membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

A terceira razão é o avanço da tecnologia. “Com o uso mais intensivo da internet, advogados e juízes estão mais bem informados sobre o tema”, diz o advogado Torquato Jardim, especializado em questões eleitorais. Essa explicação também faz sentido para entender as mudanças de comportamento do eleitor. Com um gravador portátil ou uma simples câmera de celular, qualquer um pode flagrar, denunciar e derrubar um político por corrupção eleitoral.

O avanço na aplicação da lei não se dá sem levantar polêmica nos meios políticos e jurídicos. Muitos analistas entendem que a Justiça está contrariando a vontade do eleitor nos casos em que empossa um segundo colocado, derrotado nas urnas, numa prefeitura ou num governo estadual.
O juiz Márlon Reis concorda que pode ser interessante a ideia de estabelecer a regra de convocação de novas eleições em qualquer caso de cassação de mandato executivo. Mas ele afirma que o princípio da lei não deve ser modificado. “A compra de votos sempre foi aceita como algo normal, pouco grave, e só agora essa realidade começa a mudar. O fundamental é excluir quem rompeu a regra do jogo.” Nisso, diz Reis, a Justiça não pode recuar.

Nenhum comentário: